Dia desses no Flickr, dei de cara pela primeira vez com a boneca Fulla, a Barbie muçulmana. Com olhos escuros, pele "cor de oliva", formas mais modestas como o busto menor e, claro, o hijab no lugar da luxuriante cabeleira loira, Fulla tem o mesmo tamanho e peso da concorrente ocidental, além de faturar quase o mesmo no mercado mundial.
A princípio, simpatizei com a boneca que, apesar das semelhanças com a rival, parece mais real ao meu universo cotidiano. Não só porque onde vivo há muitos descendentes do mundo árabe (incluindo eu mesma), mas também porque a miscigenação do povo brasileiro fez com que aqui seja bem mais fácil encontrar uma Fulla no supermercado, no cinema, na padaria, no ponto de ônibus, etc. do que uma Barbie.
Quase convencida de que a boneca honesta, preocupada e carinhosa, que ama e respeita seus pais teria uma imagem mais adequada à idade das crianças que brincam "de barbie" (oh, sim, a loira da Mattel parece uma devassa ao lado da Fulla), comecei a levantar a sobrancelha com frases do tipo "... sabe se comportar em público, nunca deixando cabelos, ombros, pernas ou braços à mostra" ou "Ela não tem nem nunca terá um namorado, porque isso não é um valor árabe, meninas árabes não namoram.". Enquanto Barbie pode exercer uma gama enorme de profissões, Fulla não tem muitas ocupações, fora fazer compras, passar o tempo com as amigas, cozinhar, ler ou rezar no seu tapetinho de oração rosa "opcional".
A "Polícia Religiosa" da Arábia Saudita vem banindo já há tempos Barbie, a "boneca judia" das prateleiras, porque "suas roupas e postura indecentes são um símbolo de decadência do ocidente pervertido". Mas nem todo mundo (árabe) aprova a influência da boneca, como a escritora egípcia Nawal El Saadawi: "por apresentar a mesma idéia irreal de beleza, como a Barbie... É tudo parte da superficial luta contra a cultura ocidental... toda essa conversa sobre a "islamização" versus "ocidentalismo" vem abaixo, como farinha do mesmo saco. Não importa se a boneca vem seminua ou se ela usa um véu, o fato é que ambas apresentam uma imagem na qual as mulheres se espelham."
Eu nunca quis ser igual à Barbie (nem as minhas amigas, acho). Gostava mesmo é de fazer roupinhas e cabelos, nunca sequer pensei em seguir aquele modelo que vinha nas embalagens rosas. Mas num ponto ela tem muita razão: dá na mesma presentear a sobrinha com uma Barbie ou uma Fulla no seu aniversário (em breve você poderá adquirir uma na
lojinha.net, prometem os donos).